Será inaugurada, no dia 05 de Novembro de 2020, pelas 19h, na Fábrica do Braço de Prata, Sala Uriel da Costa, em Lisboa a exposição “Sobre Ser”. Trabalho resultante da oficina de Narrativa Fotográfica do MEF. Esta oficina teve por base a obra On Being an Angel, de Francesca Woodman.
Autoras e Autor:
- Alice WR
- Ana Isa
- Catarina Correia de Sampaio
- Cristina Meneses
- Fernando Penim Redondo
- Inês A.
- Madalena Meneses
- Tânia Araújo
A exposição estará em vigência de 05 a 30 de Novembro de 2020.
Gostava que primeiro falasses do teu percurso na fotografia. Quem é que tu és dentro da fotografia?
Posso começar por dizer que a fotografia foi sempre uma coisa muito presente na minha vida graças à minha mãe, que sempre tirou fotografias, sobretudo analógicas, portanto o mundo dos rolos da máquina de revelação nunca foi chinês.
Desde os 16 anos, eu tenho 28 anos, que me lembro de ouvir dizer – “devias investir nisto” – “devias apostar nisto” – e eu não sei se era um preconceituosa em relação à fotografia, ou se a própria experiência da minha mãe, de ter sido fotógrafa amadora toda a vida, há mais de 40 anos. Achava que era uma coisa que fazia completamente parte, mas que não era assim tão séria.
Depois, completamente por acaso, o meu irmão saiu de casa, e ao arrumar o quarto, encontrou uma máquina analógica, que viemos a perceber mais tarde que era do meu pai e ele disse-me – “eu não quero isto, não sei usar isto, eu nem sei se isto funciona, vê se funciona e se gostares, investe, já que estás sempre com a fotografia atrás, estás sempre com o telefone, sempre com a máquina”.
Fiz um primeiro rolo, miserável, sem comentários. Tinha um rolo de 200 e a máquina estava para 3600 e eu nem fazia ideia o que é que isso era, portanto tenho assim uns vultos, muito originais. Percebi que aquilo me fascinava. Este primeiro rolo é miserável mas está guardado, porque vai ser sempre uma boa história para contar.
Inscrevi-me no MEF pela primeira vez e fiz as Narrativas sobre o [Paulo] Nozolino, a partir do livro Nuez e gostei muito. Não me ía inscrever tão cedo no MEF até porque andava à procura de outras coisas. Soube por acaso que as Narrativas deste ano íam ser sobre a Francesca Woodman, que é assim a fotógrafa de eleição da Tânia Araújo, que é quem dá as Narrativas. Gosto muito de bons professores, que são absolutamente apaixonados pelo que fazem, e saber que a Tânia ía estar a inspirar-nos para mim foi WOW, quero focar neste workshop”. Não conhecia a Francesca Woodman assim tão bem, nem conhecia o livro, e foi isso que me fez querer muito participar neste workshop. Foi uma experiência muito boa.
Perguntavas-me quem é que eu sou na fotografia, quem é que eu quero ser. Acho que sou claramente uma discípula da luz, quero seguir a luz. Fotografia na origem é escrita da luz, eu sou de letras e isto toca-me muito.
Como é que a introdução ao laboratório mudou a tua relação com a fotografia?
Mudou a minha relação com a vida, a minha postura na vida. Não sei se é da minha geração, somos todos muito imediatos e queremos resultados, perceber e controlar tudo. No laboratório há um processo, e esse processo é absolutamente determinante. Por exemplo no laboratório para ter uma boa imagem tenho de ser mais atenta, mais paciente. Tenho que perceber o que quero, tenho que aprender a esperar por tudo, pela revelação, depois pela imagem, depois pelos tempos dos químicos. Há um tempo na fotografia.
Depois do laboratório, a maneira como voltei para a rua e faço fotografias, é muito mais integra. E mesmo esta coisa de primeiro a luz escreve e nós nem vemos e temos de confiar. Acho que me fez uma pessoa mais presente. Quero chegar, quero aterrar, quero perceber o que é que vem, o que é que está à minha volta, como é que a luz se passa, como as pessoas estão. Por exemplo, eu gosto de tirar fotografias na rua, a pessoas que não conheço. É preciso haver ali um pequeno momento de estabelecer confiança e à vontade para que não seja uma coisa estranha ou invasiva. Nesse sentido a fotografia tornou-me uma pessoa muito mais humana, mais verdadeira, mais frágil. A fotografia também tem esse lado muito frágil. Por um segundo pode ir tudo pelo cano.
Sinto-me mesmo uma pessoa mais agradecida a partir da fotografia.
Quando estás a fotografar na rua procuras aqueles momentos de cumplicidade com os fotografados, e encontras com facilidade?
Acho que sim. Diria que, há pessoas que não é imediato, mas sim. Tenho tido sorte. Não sei se é estar no sitio certo ou dessa cumplicidade chegar com alguma facilidade. Claro que já tive pessoas a mandar-me sair daqui – “não faças isso” – , respeito e não tiro mas por norma tenho tido muito bom feedback. Uma coisa que faço muitas vezes é voltar aos sítios para dar as fotografias. Quase que as pessoas têm um voto de confiança em mim, mas ficam um bocado desconfiadas, porque ou não falámos muito ou não sabem quem sou ou para onde é que trabalho. Depois acham que sou alguém e não sou.
Tu és alguém.
Mas que sou alguém do Público ou sei lá, estou a inventar. Depois vou lá e entrego e isso é uma coisa que sela essa coisa que me confiaram. Estou a falar de pessoas, já fotografei sem-abrigo, já fotografei o porteiro do Tivoli, pedi-lhe para tirar uma fotografia e ele ficou a achar estranho, porque normalmente é uma pessoa invisível. Gosto muito das pessoas invisíveis, são mais genuínas, estão mais surpreendidas, não estão à espera. Se calhar porque tenho trabalhado também com alguns artistas que me pedem fotografias e esses têm um ego mais pomposo. Gosto muito dessa amplitude de pessoas.
É engraçado falares da fotografia de rua e de gostares de fotografar estranhos. As duas exposições que te conheço são exposições intimas, ligadas como o que referiste há pouco, com o estar, absorver o espaço, absorver as pessoas, compreender o espírito de onde estou inserido e vais fotografar, não o literal mas o espírito da comunidade, do espaço, tempo, sentimento, e não tanto do clássico da fotografia de rua.
Isso tem muita graça, também nunca tinha pensado nisso. Sou uma pessoa, não digo insegura, mas sei que sei muito pouco, e portanto a rua também é um sitio em que nada me é exigido. A rua dá-me muita liberdade, também de ver para além da intimidade, ou outros tipos de intimidade. A intimidade é uma coisa tão profunda e que mexe tanto comigo, e acaba por ser o tema dos meus trabalhos. Preciso de abrir de outras maneiras e equilibrar a tensão de mergulhar muito. Também sou uma pessoa intensa e na rua a intensidade é muito fugaz.
Muito para treinar a fotografia e treinar o olhar para reparar. Aprendi muito com a minha mãe, e vou aprendendo claro é mesmo uma referência, de voltar a olhar para as imagens e perceber o que é que mudava. Temos muitos livros em casa que a minha mãe de vez em quando vai e “olha, aquele é bom”. Nesta imagem falta teres lido este livro ou teres reparado mais nisto. Aqueles detalhes que, se calhar em laboratório dá para corrigir, mas que eu não gosto muito. Quando temos de corrigir muito quer dizer que a imagem falhou.
Conhecido e ser reconhecido. Que importância dás a isto?
Não sei, por exemplo, eu gosto de jazz e estava no Hot Club. E por acaso ouvi muito uma banda e por acaso, porque estavam-me sempre a ver com a maquina, e às tantas pediram para ver imagens, e eu – “olha, analógico, que pena não vai dar.” – Eu a achar que nunca na vida. Às tantas insistiram tanto, tipo uns 3 meses, eu ia lá quase semanalmente, que lá lhes mandei coisas por email. E convidaram-me logo para fazer logo a capa do disco.
E isso para mim é o mundo do Jazz. Num nicho é muito conhecido e muito bom, mas há pessoas que não sabem, nunca ouviram ou que não é assim a coisa mais Pop que existe. Se calhar agora até está mais, mas na altura, foi em 2018, pronto, não era assim, mas isso confirmou muito sobretudo na minha família, eu ia ouvir Jazz porque o meu avo vai ouvir Jazz e a minha mãe ouvia Jazz.
Foi enraizado.
Sim, é isso. Acho que foi tudo assim, quase um efeito dominó de “sortes” e de “por acasos”. Por acaso ele era mais conhecido que eu achava, e por acaso o disco dele era muito aguardado. Esse trabalho saiu na capa do Ípsilon [revista cultural do jornal Público] em 2018 e foi assim um boom para mim. Foi uma boa festinha ao ego.
Eu não era ninguém e isso abriu-me muitas portas. Tenho tido a sorte de me ter cruzado com mais artistas músicos e artistas plásticos sempre um bocadinho por acaso. Tenho tido muita sorte e muitos elogios. Ainda que alguns possam não dizer que gostam muito, mas ou me contratam ou de repente alguém falou de mim a não sei quem. No fundo é isso, acho que, sobretudo as pessoas que conheço, no Photobook [club Lisboa], a Magda e o Domingos, tu que para mim és uma referência enorme… Ser reconhecida por vocês dá-me mil vezes mais do que saer em qualque capa. Há sempre a tensão de, por um lado me queror vender, no sentido em que gostava que conhecessem o meu trabalho e de chegar a outros sítios e de experimentar outras coisas, e ter outras experiências. Por outro lado não ser isso que me conduz.
É o que dizia, se eu continuar a gostar da fotografia, se eu continuar a ser fiel a seguir os passos do que me interessa verdadeiramente e não de produzir só por dinheiro. Na minha família eu já estava a tentar viver mais da fotografia, não a 100%, mas o máximo possível. Já tinha começado a dizer que não a alguns trabalhos melhor remunerados, para ter tempo para ir para o laboratório, ou para ter tempo para ir fotografar projectos que nem sei se vão para a frente. Os meus avós acham que eu sou louca, mas depois disso eu era a neta mais produtiva e mais linda e mais tudo. Mas que isso não seja o que me leva. Isso abana-me claro, não sou indiferente ao meus avós, às pessoas que gosto, aos meus amigos. Não estava em Lisboa quando saiu a capa do Ípsilon mas nunca me senti tão acarinhada. Claro que é muito bom, não vou negar, mas não é isso que me faz ir para o laboratório, portanto não vou fazer disso uma coisa assim tão maior do que. É bom mas é o que é.
Falamos sobre o trabalho que vais apresentar?
Mais uma vez há aquela tensão entre inspirar-me muito na Francesca mas não querer de todo imitá-la. Quem percebe o trabalho da Francesca pode facilmente fazer a associação da inspiração por trás. Diria que há o corpo, a mulher, mas na Francesca é uma coisa mais pesada e no meu trabalho acaba por ser mais leve. Essa relação entre a mulher e o corpo e da mulher no mundo. Para ela foi muito duro, estava super à frente do seu tempo, em várias coisas. Se calhar, também por ser mulher, não lhe facilitaram muito a vida e portanto acho que a expressão dela acaba por ser muito dura e pesada. O meu trabalho acaba por ser leve. Não digo levíssimo, mas é leve. Tem um tom mais positivo e mais da forma, da mulher, do corpo.
E é muito simples o meu trabalho. O da Francesca a composição é ainda mais cuidada, mais complexa.
Tencionas dar continuidade a este trabalho?
Gostava muito de dar continuidade a este trabalho. Não sei se este trabalho em especifico, mas estas ideias e ao que isto abriu sim. Não nos mesmos moldes, mas sim, isto é um processo que se abriu e ainda não foi fechado. Até porque não sei se tive medo ou não tive segurança suficiente para tocar a parte mais dura da Francesca. Sobretudo o movimento, a ausência e a presença do corpo, são temas que me dizem muito e que gostei de explorar, e que sinto que ainda nem [explorei] metade.
Queres deixar uma mensagem às pessoas que poderão ir visitar a tua exposição?
Para as pessoas gostava que parassem um segundo. Se passarem pela exposição e se pararem, fico contente e sobretudo se se deixarem tocar. São vários trabalhos, não só o meu, muito diferentes, alguns mais óbvios que outros. Gostava que olhassem e que vissem. Isso é uma coisa gira da exposição, e percebi isso logo na minha primeira. Tinha estado à volta daquelas imagens durante tanto tempo e eram tão minhas, eram tão o que tinha sonhado, e os contrastes, e não sei o quê. Chega um amigo meu e vê coisas que eu não tinha reparado, ou que não estava na minha cabeça e portanto eu a isso dou uma liberdade enorme. Não quero que ninguém veja o que eu quero que vejam, por muito que me custe acho que a exposição é do mundo já não é meu. Portanto eu gostava só que parassem e que a luz escrevesse qualquer coisa. Pelo meu trabalho e pelo de todos, é o melhor presente que nós podemos ter.
Pode parecer pouco mas se tivesse de deixar escrito o que quero dizer a duas pessoas que foram, são e serão sempre, absolutamente determinantes no meu caminho com a fotografia, a essas duas mulheres extraordinárias que são a minha mãe e a Tânia, diria algo muito simples: espero que possamos continuar a partilhar fotografia e o laboratório. O que sinto por elas, em dimensões completamente diferentes, é uma gratidão sem medida e o que lhes diria pode ser «só»: que o caminho continue.
O nosso agradecimento à Madalena pelo seu tempo e generosidade. Podem encontrar a Madalena Meneses online em instagram.com/madmeneses
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